Saiu de casa à tarde e foi ao cinema. Sozinha. Pela primeira vez. Não se lembrava de ter estado sozinha antes. Sentou-se para assistir ao filme. Desejava ardentemente que o filme fosse bom. Teria no que pensar. A sessão estava lotada. E ela ali, sozinha. Pensou em falar com a pessoa ao lado. Perguntar as horas, quem sabe. Não conseguiu. A vontade, talvez, não fosse tão grande. Suas vontades nunca eram muito grandes. Nem sequer as tinha em grandes quantidades. Como quase tudo em sua vida, nada em grandes quantidades nem muito forte. Apenas o medo. E agora a solidão. A segunda sessão não estava tão lotada. Não se lembrava se o filme era bom. Esteve tão perdida em seus pensamentos que não chegou a perceber. Aproveitaria essa sessão para se concentrar no filme. Não é para isso que as pessoas vão ao cinema? Não sabia mais para que ela ia aos lugares. Por que saía de casa? Alguém já tinha dito: " Sair de casa é suícidio. Mas ficar também não adianta." Não adiantava. As coisas já não adiantavam. Muito. Nem pouco. A terceira sessão estava quase vazia. Que horas seriam? De novo o filme se fora e ela não percebera. As coisas não podiam permanecer assim. Iam e ela não percebia. Se fossem só os filmes... Achava estranho que não sentisse fome, ouvira alguém comentar que aquele filme era longuíssimo, e já era a terceira sessão. Como podia não sentir fome. Ou sede... A quarta sessão estava vazia. Totalmente vazia. Nem ela estava ali. Não esteve em nenhum lugar, nunca. Só agora sabia. Como se seu corpo andasse separado dela. Ele estava, mas ela... Só agora tinha chegado. Viu que as poltronas eram vermelhas e estavam um tanto velhas. Viu que não havia mais ninguém. Mas a quarta sessão já tinha acabado? Não teria uma quinta? O homem com a lanterna, meio irritado , veio lhe avisar que ela tinha de ir. Ir? Para onde? Para onde vai alguém que está sozinho? Sozinho. Verdadeiramente.
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