Monday, August 14, 2006

Estátua de sal ao sol

Era sem tempo que ela corresse pra sombra! De nada adiantava ficar mais ali, parada, no meio do jardim, esperando por um raio de sol. Ele não se dignava a estar mais de uma vez no mesmo lugar, talvez duas, nunca três. E correr o risco de que alguém lhe dissesse quando vir? Mais um pouco que ela ficasse ali e teria mesmo torrado, seca ao sol. Esturricada de espera. Era uma estátua muda, pelo bom senso, louca de vontade de gritar para que o outro, tão descuidado, de uma indiferença divertida, de brilho nos olhos fosse obrigado a escurecer e mostrar o que esconde tanto. Que ele tivesse de segurá-la, caso contrário, estaria morto e dizer uma única vez o que pensava de verdade, sem a delicadeza aprendida numa cidade distante. Não perder a paciência. Não perder a razão. Tudo resolvido. Calculado. Combinado. Tão parecidos. Um nojo leve de tanta acomodação. Tanto controle. Deixou que as plantas a invadissem. Tão mais fácil fazer parte da paisagem. Inútil dizer que estava cansada, não era verdade. Não era nada de cansaço. Era paciência. Paciência com a dor. Com a ausência. Ela já sabia de antes. Era esperar que passaria. Sempre. Nem borboletas, nem fadas no jardim cinza sem luz. O papel branco esfarelava. As palavras voavam no infinito vácuo, sem resposta. E nem valia a pena a fantasia de que era o medo. Era mesmo coisa nenhuma. A comida esquecida no fogão antes de ser terminada. O gosto amargo antes de azedar. Colocar tudo no lixo. Objetivamente. Porque há muito que protelava. A mesma panela. E dali nada saía. Cada vez que o caldo engrossava ela esperava que ia entornar e que a cozinha seria invadida de um lindo caldo de luz. Mas ele ia aguando... mirrando, sem explicação. Já era um desperdício de ingredientes. Ela ali, sentada, de água na boca... secando... Era de dar raiva. Pra que gastar mais de seu sal? Cada vez ela ficava um pouco menor. Cada vez dava um pouco mais. Insistisse e aquele homem ia acabar com sua vida! Porque era mais que querido, mais que amado, era real. Pálpavel. Era único e necessário. E sabia. Por isso um pouco de abuso, só charme. Porque mesmo a dor era menor que tudo isso e ela jamais o abandonaria. Teria trocado a eternidade se a tivesse... como não a tinha, não trocou nada. Sem prejuízos visíveis. Existem mesmo flores que não suportam o sol. O sal derrete as lesmas. Tem amores que fazem mal, secam, derretem, desperdiçam. Somos todos iguais. Melhor voltar à sombra.

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