Saturday, November 25, 2006

Irmãs

Naquela noite elas brigaram. De verdade. Uma já não podia aguentar a outra. A outra insistia em ficar. Desesperador. Continuava falando, a cabeça da uma que já não podia pensar com tanta conversa. As penas do travesseiro voavam pelo quarto. Dir-se-ia que por ali havia um galinheiro. Milhões de galinhas pulando, gritando, se debatendo umas nas outras no quarto minúsculo. O colchão soltava suas molas, pulavam enlouquecidas em todas as direções, tudo para tentar expulsar a desgraçada que não se ia. Pensou em chamar a polícia. A outra riu. Fizesse isso. Acabaria internada. Tentou se bater contra as paredes, arrancar a própria cabeça, tomar caixas de remédios, os litros de uísque. Esforço inútil no tempo. Se estapeou com a outra por horas. Vencida, chorou até ver a luz do sol. Não adiantava. Nunca. Não podia vencer a insônia.

Conto Erótico

Como escrever um conto erótico?
Com que palavras se erotiza um conto?
Se o conto escorresse, sussurrasse, mordesse...
Mas não. Não há nem mãos, nem pés e nem cabeças no conto. Nada de línguas ou olhos.
Transformar em palavras o hálito, a respiração, os lábios estremecendo de leve. Um minúsculo estrabismo. Os pêlos na pele, a alça que cai, o arrepio subindo.
Como colocar no conto uma mão na nuca? Uma água morna de banho? Uma gota que escorrega, desenhando as vértebras da coluna?
O corpo claro repousando. O suor no colo. Nas coxas. A tentativa de tornar eterno o instante. De instaurar o silêncio numa infinidade de ruídos.
Poder congelar o momento em que os lábios se abrem, antes que os olhos se fechem, o estômago apertado na ânsia da boca do outro.
Ficar ali muito tempo.
Até as horas afrouxarem, o ponteiro escorrer morno, os números derretendo de calor. Nenhum som a não ser um coração que bate, levemente descompassado.
A saliva se acumulando, doce. Travando a boca, amarrando como caju.
E então tudo volta.
Não. Não pode ser. Não consigo erotizar um conto.