Thursday, October 19, 2006

Nó em pingo d´água

Sentiu o sol forte queimando suas têmporas, pensou: Quanto tempo será que estou aqui? Lembrou-se de ter pegado no sono fazia algum tempo. Abriu os olhos e viu o céu de um azul estonteante, o mar tão estonteante quanto e a areia fina e branca. Viu que ainda estava na praia. Devia ter dormido muito mesmo. Sentiu fome e resolveu ir para casa almoçar. Tentou levantar-se, em vão. Não podia. Havia algo em suas pernas que a impossibilitavam. Tentou olhar para suas pernas, mas aquilo tinha uma cor tão forte que seus olhos demoraram a perceber que aquilo se tratava de um rabo. Rabo? Sim, um rabo de peixe, que brilhava e tinha lindos desenhos. Ficou com uma sensação estranha entre o prazer de ter em si algo tão belo e o medo de ter perdido suas pernas. Pensou então, que podia estar sonhando. Não, não estava. O beliscão que dera em si acabava de confirmar. Era isso, tinha virado uma sereia. Coisa ridícula! Parecia conto de fada. Mas lá estava. Sereia. Será que estava no meio da transformação e viraria toda peixe? Acabaria toda a beleza da coisa, deixar de ser sereia e virar um peixe grande e gordo na areia! Não, parecia que era só o rabo mesmo. Resolveu, então, até por necessidade, pois aquele calor estava matando-a, arrastar-se até o mar. Foi fazendo isso com muito esforço, sentiu os primeiros toques na areia úmida com o prazer que se sente quando os pés nus tocam o chão de uma casa, que é só sua, pela primeira vez. Pensou em tudo que ficaria para trás quando entrasse no mar e de lá não pudesse mais sair. Não lhe pareceu tão mal a troca. Entrou, toda, na água. A sensação era maravilhosa, a água fresca que trazia um imenso alívio. Como podia ter vivido em outro lugar? Tanto tempo sem aquela sensação? Sentiu-se linda. Afinal, era hábil em alguma coisa. Nadava lindamente com seu rabo de peixe. Quis ir ao fundo, conhecer o lugar onde viveria. Foi então que aconteceu. Não podia respirar lá embaixo. Sufocava. Como podia ser? Sereias não respiravam embaixo d’água? Será que era porque ela não havia nascido sereia? Tentou de novo. Não era possível. Se insistisse morreria afogada. Ficou no meio do mar, não podia viver ali, nem fora dali. Não adiantava, não havia nenhum lugar em que ela pudesse viver. Ficou, para sempre, porque as sereias não morrem (ironia do destino?), no meio do caminho. Vivendo entre dois mundos sem pertencer a nenhum.

p.s. o título foi gentilmente cedido pela minha irmã gênio, aquela da torre, então de novo, querida, obrigado... por tudo.

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